Pandemia
dificultou que vítimas denunciem
O
Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher é lembrado hoje
(10) e, mesmo após 40 anos de sua criação, continua dando
visibilidade a uma grave faceta da desigualdade de gênero. A data
foi instituída após uma mobilização feita em São Paulo por
mulheres que ocuparam as escadarias do Theatro Municipal para
defender seus direitos.
Em
entrevista concedida à Agência Brasil, a socióloga Marlise
Matos, uma das principais especialistas do país no assunto, pontuou
que as lutas pela igualdade de gênero são históricas e que o
patriarcado é uma das primeiras formas de opressão da humanidade.
Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem),
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela explica que o
conceito de gênero surge assim designado nos anos 1980, mas que já
se faziam alusões a ele antes disso, utilizando-se outros nomes.
"Há
muitos anos, a gente já tem um movimento muito forte no campo das
relações sociais, pensando no debate de gênero e raça. Está
nomeando há, pelo menos, 100 anos, diria, um campo de estudos sobre
temas que remete às agendas das opressões estruturais",
disse.
Violência
na pandemia
A
mais recente edição do relatório “Violência
Doméstica Durante Pandemia de Covid-19”, do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP) ( ) analisou dados de março a maio
desde ano. Segundo a pesquisa, com o isolamento adotado em várias
unidades da Federação, houve “uma redução em uma série de
crimes contra as mulheres em diversos estados – indicativo de que
as mulheres estão encontrando mais dificuldades em denunciar a(s)
violência(s) sofridas neste período.” A única exceção foi nos
crimes letais.
O
relatório do Fórum também indica que, no período avaliado, houve
uma redução na “distribuição e na concessão de medidas
protetivas de urgência, instrumento fundamental para a proteção
da mulher em situação de violência doméstica.”
Sinal
vermelho
Com
a pandemia e o isolamento veio a necessidade de entes públicos
reverem estratégias para a coibição da violência contra
mulheres. Uma das iniciativas, lançada em junho, é a campanha
Sinal Vermelho, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e
da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O objetivo é
incentivar as vítimas a fazer denúncias
em farmácias.
Em
solo paulista, o projeto tem tido boa adesão, segundo o presidente
do Conselho Regional de Farmácia, Marcos Machado, que o vê com
bons olhos. Ele disse que, ao mesmo tempo em que sensibiliza os
funcionários das lojas para o problema, estimula as vítimas a
pedir socorro, já que se abre espaço para que sejam acolhidas sem
tanta formalidade. "É encontrar na farmácia um ponto de apoio
contra a violência doméstica", disse. "A farmácia, em
muitos bairros, funciona, de fato, como verdadeiro estabelecimento
para tudo, recebe pessoas com uma necessidade de acolhimento."
A
juíza Bárbara Lívio, integrante da Coordenadoria da Mulher em
Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais (TJMG) também elogiou a campanha.
"Um dos grandes fatores que contribuem para o aumento da violência
durante a pandemia é a mulher não conseguir pedir ajuda. A partir
do momento em que ela recorre ao atendente da farmácia, há uma
nova porta de entrada. O símbolo de x na mão é acessível. A farmácia
existe em todos os municípios brasileiros e fica aberta até a
noite, quando não é 24 horas".
Bárbara
destaca que a maior parte das ocorrências de violência doméstica
não acontece durante horário comercial, mas sim à noite e aos
finais de semana. “O fato de ser a farmácia um dos locais que
recebem essas mulheres é muito significativo. E, quando formos
pensar na responsabilidade do atendente, não é chamado como
testemunha, não se vincula ao processo, apenas faz a ligação
entre a vítima e os órgãos estatais, e isso representa
efetivamente a diferença entre a vida e a morte de uma
mulher", disse.
Caminho
pela educação
A
magistrada disse que, para ela, a solução para a violência de gênero
está em se promover mudanças que rompam os padrões culturais que
sujeitam as mulheres a uma posição de subalternidade e em
instrumentalizá-las para que se emancipem. O caminho começa pela
educação.
"A
forma como educamos nossas meninas e nossos meninos são essenciais
para a ocorrência de violência. Por exemplo, educamos as meninas
para que elas serem independentes, se entenderem como dignas de
amor, de afeto, independente de qualquer afeto? Como educamos essas
meninas? Educamos dizendo que só têm valor quando estão em um
relacionamento? Ponderamos que a profissão é tão importante para
a mulher como para o homem", exemplifica.
|